Uma terra sem histórias para contar

Sou, é sabido, uma convicta menina da linha . Vivi entre S. João do Estoril e Cascais quase toda a minha vida, com uma rápida - mas muito feliz - interrupção açoriana. Gosto desta terra virada para o mar e, mesmo quando acho que seria feliz na minha querida Lisboa, fica-me sempre a hesitação de saber se seria realmente capaz de ali assentar arraiais. Já lá vão muitos anos desta vivência feita de paredão, estrada do Guincho, baía, dunas, praias, ciclovia, marina e ventania e, se estas são as razões de raiz deste viver, outras há que cresceram com aquilo que o tempo trouxe de bom ao Concelho. Durante vários anos, Cascais, foi um caldeirão fervilhante de cultura e animação; a agenda cultural era mensalmente distribuída pelas caixas do correio e vinha gorda de iniciativas, exposições, concertos, conferências, workshops, visitas guiadas e muito mais. Dava gosto saber que aqui, só não tinha uma vida cultural intensa quem não quisesse. Neste contexto, a casa das histórias Paula Rego foi, certamente, a cereja em cima do bolo. Neste edifício cor de rosa com a assinatura do arquitecto Souto Moura, vimos inaugurar um espaço museológico de excelência, onde nos foram apresentadas algumas das mais emblemáticas obras da pintora, expostas com a inteligência de uma equipa que com elas soube, de facto, contar uma história. Eu, que pouco conhecia da obra de Paula Rego, enamorei-me de muitos dos seus quadros, de tantas vezes que tive a sorte de os olhar. Mas - e infelizmente há um "mas" nesta história -, à boleia dos cortes orçamentais que a cultura sofreu neste País, construiu-se no meu Concelho, a ideia de que essa cultura é dispensável, ainda que tivesse - e tinha, indiscutivelmente - a capacidade de lhe trazer muitos milhares de turistas e de ser intensamente usufruida pelos da casa. A agenda cultural desapareceu e, com ela, a capacidade difusora de informação do que se passava. Depois, foi ver a vida do concelho esmorecer, na ausência de concertos musicais, de exposições, de conferências, enfim, de tudo. 
Este fim de semana, estive na casa das histórias Paula Rego para visitar a actual exposição que associa alguns dos desenhos (e pouquíssimos quadros) da pintora, ao artista Bordalo Pinheiro, e saí de lá com um triste sentimento de desolação! Quem viu este museu aquando da sua nascença, não pode deixar de se sentir tolhido de desgosto ao vê-lo agora - pobre, frio, com o percurso expositivo interrompido por duas salas fechadas que obrigam o visitante a fazer marcha atrás, e sem fio condutor de história alguma. As obras da pintora que dá nome à casa são escassíssimas e nada dos grandes quadros que tivemos o privilégio de contemplar - desapareceram as bailarinas, o anjoo amor, ou o entre as mulheres. Se tal não bastasse, e porque o museu foi pensado e construído para o ser de grande nível, em tempos, saíamos do mesmo e entravamos na loja, onde nos apetecia arrebanhar as prateleiras, de tão ricas de oferta de qualidade e que estão, agora, vazias, com o refugo do que ainda não foi comprado. É, acreditem, uma dor de alma e um triste sinal do que se vai passando nesta terra, a somar à piroseira das luzes natalícias ou à ausência de festa de final de final de ano que tanta gente trazia ao Concelho. Sobra-nos, é certo, o mar e o sol, nesses, ao menos, não há cortes de orçamento e administrações incapazes e sem a menor percepção do que é essencial a esta casa.

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