Carlos Paredes, mestre da guitarra portuguesa, morreu há 10 anos


Maior expoente da guitarra portuguesa faleceu a 23 de julho de 2004, aos 79 anos. Recorde a sua vida e obra.


Apesar de o seu instrumento ser o do fado e de ter nascido numa longa linhagem de guitarristas de Coimbra que se estendia até ao seu tetravô, Carlos Paredes que pouco gravou conseguiu a proeza de construir uma obra ímpar, que a nenhuma outra pode ou deve ser comparada, fora de géneros e do próprio tempo, e no entanto tão inexplicavelmente portuguesa e da sua época. Quem o encontrou e com ele falou sabe bem que a sua modéstia desarmante era genuína e que o seu amor pela música era inquestionável. Neste homem, a música era fruto simples e natural do amor pelo país e pelos amigos, sobretudo e nunca lhe mereceu grandes considerações filosóficas ou teóricas.

Nascido em Coimbra no dia 16 de Fevereiro de 1925, Carlos Paredes não teve como evitar a guitarra que em casa era passada de geração em geração. Ainda assim, a mãe, tentou educá-lo no violino e no piano, sem grande sorte: "A minha mãe, coitadita, arranjou-me duas professoras. Eram senhoras muito cultas, a quem devo a cultura musical que tenho. Passávamos horas a conversar e uma delas murmurava: "Não sei o que hei-de dizer aos seus pais. Mas aprendi muito com elas", revelou o músico ao Jornal de Letras, em 1992. O que aprendeu começou por mostrar aos microfones da Emissora Nacional, num programa do seu pai, quando tinha apenas 14 anos. Chegou a ingressar no Curso Industrial do Instituto Superior Técnico, mas nunca conclui os estudos tendo sido admitido em 1949 como funcionário administrativo do Hospital de São José onde, durante muitos anos, arquivou radiografias.

Se não fosse tão fácil, a metáfora de ter passado longa parte da sua vida a olhar para dentro dos portugueses ajudaria a explicar a sua música. Paredes, que sempre afirmou amar demasiado a música para depender dela para viver, manteve esse cargo até aos anos 80 quando, contra a sua vontade, um ministro decretou uma promoção que o deixou com todo o tempo para se dedicar à música.

Foi na editora Alvorada, em 1957, que se estreou em disco, com um EP simplesmente intitulado Carlos Paredes. No ano seguinte, as suas simpatias pelo Partido Comunista Português foram denunciadas à PIDE, que o prendeu. Mais do que o encarceramento, foi a traição da denúncia que lhe deixou mágoa funda. No final de 1959 estava de regresso ao Hospital de São José e à música: a prisão deu-lhe tempo para compor, para imaginar a música que queria fazer.

A sua música provou ser perfeita para suportar imagens quando em 1960 foi utilizada numa curta-metragem de Cândido da Costa Pinto, "Rendas de Metais Preciosos". Mas o casamento mais emblemático de imagens em movimento e da sua própria música aconteceu em 1962, com Verdes Anos, de Paulo Rocha. "Muitos jovens vinham de outras terras para tentarem a sorte em Lisboa. Isso tinha para mim um grande interesse humano e serviu de inspiração a muitas das minhas músicas. Eram jovens completamente marginalizados, empregadas domésticas, de lojas. Eram precisamente essas pessoas com que eu simpatizava profundamente, pela sua simplicidade", explicou mestre Paredes, referindo-se ao trabalho em Verdes Anos.

Jorge Brum do Canto, Manuel de Oliveira, António de Macedo ou José Fonseca e Costa são outros realizadores que recorreram à música de Carlos Paredes nas bandas-sonoras dos seus filmes. Os discos, entretanto, demoraram a chegar. Só em 1967 gravou o seu primeiro álbum, Guitarra Portuguesa, no então recentemente criado Estúdio de Paço de Arcos da Valentim de Carvalho, na companhia de Hugo Ribeiro, que nos recorda como lidava com a força tremenda de mestre Paredes: "Muita gente achava um drama gravar o Carlos Paredes porque ele era uma força da natureza e quando começava a tocar aquilo ouvia-se sei lá onde. Ele tocava tão alto que a guitarra ouvia-se em todo o lado e então eu vinha cá para fora do estúdio ouvir a guitarra e no sítio onde eu a ouvia melhor era onde metia o microfone". Paredes gravou ainda Movimento Perpétuo em 71 e depois, com a chegada do 25 de Abril, dedicou-se de alma e coração a levar a sua música a todos os recantos do país onde o quisessem ouvir.

Mesmo tendo gravado pouco, Paredes ainda encontrou espaço para tocar ao lado de notáveis como Carlos do Carmo, Adriano Correia de Oliveira e até Charlie Haden. Perfeccionista, iniciou várias gravações que não chegou a concluir, talvez por achar que a perfeição não podia ser gravada. Em 2003, a sua obra foi reunida e organizada numa definitiva caixa de 8 CDs [atualização: e os dois primeiros álbuns de originais foram, entretanto, reeditados em vinil pela editora americana Drag City], muito pouco para uma carreira tão longa, mas o suficiente para fazer Paredes merecer o título de mestre.

Texto: Rui Miguel Abreu
Originalmente publicado na BLITZ nº 41, de novembro de 2009

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